
No dia 30 de outubro de 2023, foi sancionada a Lei 14.713, que traz duas importantes inovações, quando se trata do processo de guarda de criança e adolescente:
- A guarda compartilhada não pode ser concedida “quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar” (CC, art. 1.584, §2º);
- Nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação, “o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes.” (CPC, art. Art. 699-A)
Essas mudanças visam proteger as crianças e os adolescentes que vivem em situações de violência doméstica ou familiar, que podem causar graves danos à sua saúde física e mental.
A violência doméstica e familiar no Brasil, conforme demonstram as estatísticas, atinge números impressionantes, o que faz com a nova legislação seja muito relevante.
Há estudos que demonstram o quanto é impactante para a vida de uma criança, crescer em lares violentos, mesmo que ela não seja vítima direta de violência. Testemunhar a violência é considerada uma violência indireta e é também uma das formas de violência psicológica (art. 4º, II, c, da Lei 13.431/2017).
O que é a guarda compartilhada?
A guarda compartilhada é aquela em que os pais têm o mesmo direito e dever de cuidar dos filhos, mesmo após o divórcio ou a separação. Isso significa que eles devem dividir as responsabilidades sobre a educação, a saúde, a alimentação, o lazer e as demais questões relativas aos filhos.
A guarda compartilhada também implica em uma divisão equilibrada do tempo de convivência com os filhos, respeitando as necessidades e os interesses de cada um.
A guarda compartilhada é considerada a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro desde 2014, quando foi alterado o Código Civil pela Lei 13.058. O objetivo dessa mudança foi garantir o melhor interesse da criança e do adolescente, que têm o direito fundamental à convivência familiar saudável com ambos os pais.
Por que a guarda compartilhada não pode ser concedida em casos de violência doméstica ou familiar?
Apesar dos benefícios da guarda compartilhada para as crianças e os adolescentes, há situações em que ela não é recomendável ou possível. Uma delas é quando há elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.
A violência doméstica ou familiar é aquela praticada por alguém que tenha ou tenha tido relação íntima de afeto ou parentesco com a vítima, como cônjuge, companheiro, namorado, pai, mãe, filho, irmão etc.
A violência doméstica ou familiar pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Ela pode ocorrer dentro ou fora do lar e pode afetar não só a vítima direta, mas também as pessoas que convivem com ela.
Quando há violência doméstica ou familiar entre os pais ou entre um dos pais e os filhos, a guarda compartilhada se torna inviável e prejudicial para o desenvolvimento dos filhos. Isso porque eles ficam expostos a um ambiente hostil e inseguro, que pode comprometer sua autoestima, sua confiança e seu bem-estar.
Além disso, a guarda compartilhada exige uma cooperação entre os pais na tomada de decisões sobre os filhos. Quando há violência doméstica ou familiar, essa cooperação é impossível, pois há uma relação de poder e de controle do agressor sobre a vítima, que impede o diálogo e o respeito mútuo.
Por isso, a Lei 14.713 proíbe a concessão da guarda compartilhada quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar. Nesses casos, a guarda será unilateral, ou seja, atribuída a apenas um dos pais, preferencialmente àquele que não praticou a violência.
Como o juiz vai verificar se há risco de violência doméstica ou familiar nas ações de guarda?
Uma das dificuldades em casos de violência doméstica ou familiar é a comprovação dos fatos. Muitas vezes, as vítimas não denunciam ou não possuem provas suficientes para demonstrar a violência sofrida.
Por isso, a Lei 14.713 criou um mecanismo para facilitar a identificação do risco de violência doméstica ou familiar nas ações de guarda. Antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes.
A audiência de mediação e conciliação é uma etapa do processo em que as partes tentam resolver o conflito por meio do diálogo, com a ajuda de um mediador ou conciliador. Essa audiência é obrigatória nas ações de guarda, salvo quando há violência doméstica ou familiar.
A indagação do juiz visa estimular as partes e o Ministério Público a revelarem se há algum indício de violência doméstica ou familiar que possa afetar a decisão sobre a guarda. Esses indícios podem ser documentos, testemunhas, boletins de ocorrência, laudos médicos, relatórios psicológicos etc.
Se houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, o juiz poderá suspender ou cancelar a audiência de mediação e conciliação e decidir sobre a guarda com base nas provas apresentadas.
Quais são os benefícios da Lei 14.713 para as crianças e os adolescentes?
A Lei 14.713 representa um importante avanço na proteção das crianças e dos adolescentes que vivem em situações de violência doméstica ou familiar. Ao impedir a concessão da guarda compartilhada nesses casos, ela evita que os filhos sejam expostos ao convívio com o agressor, que pode causar danos irreparáveis à sua saúde física e mental.
Além disso, ao facilitar a identificação do risco de violência doméstica ou familiar nas ações de guarda, ela agiliza o processo e permite que o juiz tome uma decisão mais rápida e adequada ao melhor interesse da criança e do adolescente.
A lei é um reconhecimento da gravidade da violência doméstica e familiar no Brasil e da necessidade de medidas efetivas para combatê-la e preveni-la. Ela também é uma forma de garantir o direito fundamental das crianças e dos adolescentes à convivência familiar saudável, livre de qualquer forma de violência.